02 maio 2007

Crónica do (Nosso) Mundo Virtual.

Entrei cheio de pressa e com muita fome num restaurante.

Escolhi uma mesa bem afastada do movimento dos empregados, da confusão de conversas trocadas, do ruído das pessoas, do cheiro confuso que provinha da cozinha porque queria aproveitar os poucos minutos que dispunha naquele dia, para comer e finalizar alguns aspectos de um projecto que estava a desenvolver, além de planear a minha viagem de férias de um mês, coisa que não sei o que é desde a época em que andava na escola.

Pedi um filete de salmão com alcaparras em manteiga, uma salada e um sumo de laranja. Afinal de contas fome é fome, mas regime é regime, não é?

Abri o meu portátil e apanhei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim:

- Senhor, não tem umas moedinhas para me dar?

- Não tenho, não, menino.

- Só uma moedinha para comprar um pão, vá lá!

- Está bem, eu compro-te um.

Para variar, a minha caixa de entrada está cheia de e-mail´s.

Fico distraído a ver poesias, as formatações lindas, rindo com as piadas malucas com que actualizo o meu blog. Uma música que ponho a correr no computador, leva-me até Londres e às boas lembranças de tempos áureos …

- Senhor, peça para me colocarem margarina e queijo.

Percebo nessa altura que o menino tinha ficado ali.

- Ok. Vou pedir, mas depois deixas-me trabalhar, porque estou muito ocupado, está bem?

Chega a minha refeição e com ela o meu mal-estar. Faço o pedido do menino, e o empregado pergunta-me se quero que o mande ir embora.

O peso na consciência, impedem-me de o dizer.

Digo que está tudo bem.
Deixe-o ficar.

Que traga o pão e, mais uma refeição decente para ele.

Então, sentou-se à minha frente e perguntou:

- Senhor, o que é que está fazer?

- Estou a ler uns e-mail´s.

- O que são e-mail´s?

- São mensagens electrónicas, mandadas por pessoas, via internet (sabia que ele não ia entender nada, mas, considerei que deveria ser conciso na explicação para ver ser me livrava de mais questionários … mas o meu feitio não me deixou agir assim).

- É como se fosse uma carta, só que via internet.

- Senhor, você tem internet?

- Tenho sim, é essencial no mundo de hoje.

- O que é internet?

- É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, trocar informações com outras pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. É um mundo … só que virtual.

- E o que é virtual?

Resolvo dar uma explicação simplificada, sabendo com certeza que ele não vai entender nada para que fosse possível deixar-me almoçar, sem culpas.

- Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos tocar, apanhar, pegar... é lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Sabes, o Homem cria as suas ambições, e transforma neste local quase todo o mundo como queria que ele fosse.

- Isso é bom. Adorei!

- Menino, entendeste o significado da palavra virtual?

- Sim, também vivo neste mundo virtual.

- Tens computador?! - Exclamo eu!!!

- Não, mas o meu mundo também é vivido dessa maneira ...Virtual, sabes?! A minha mãe fica todo o dia fora de casa, chega muito tarde, quase não a vejo, enquanto que eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que vive a chorar de fome e eu dou-lhe água para ele pensar que é sopa, a minha irmã mais velha sai todo dia também, diz que vai vender o corpo … mas não entendo, porque ela volta sempre com o corpo. O meu pai está na cadeia há muito tempo, mas imagino sempre a nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos de natal e eu a estudar na escola para vir a ser um médico um dia destes.
Isto é virtual, não é senhor???

Fechei o portátil, mas não fui a tempo de impedir que lágrimas internas caíssem sobre o meu coração, lá dentro bem fundo.

Esperei que o menino acabasse de literalmente “devorar” o prato dele, paguei, e dei-lhe o troco, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um “Brigado senhor, você é muito simpático!”.

Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel nos rodeia de verdade e fazemos de conta que não percebemos!

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