18 maio 2007

Os tempos modernos tiraram o tapete debaixo dos pés dos homens pelo que se encontram desorientados, mas começam a encontrar um novo rumo ...

Quase sem darmos por isso, uma barreira de silêncio ergueu-se à volta dos homens. Nas últimas décadas, os grandes estudos, os grandes combates e as grandes causas foram conjugados no feminino. Nós, mulheres, muito dadas que somos a falar dos nossos problemas, exorcizámo-los por palavras e acções na praça pública, e também nos circuitos académicos, e acabámos por relegar o homem para segundo plano. Ele só era chamado à cena para servir como termo de comparação. Para personificar tudo aquilo que a mulher queria ser e não era. Para dar corpo também a tudo aquilo a que não queria ser, mas em cujos erros quase caiu para chegar onde queria. E assim viveu o homem durante algumas décadas: desvalorizado, diriam alguns, e, de uma certa forma, longe do foco de interesse.

Esta luta das mulheres produziu resultados, não resta qualquer dúvida. Nunca se viu tantas portuguesas no mercado de trabalho. As universidades encontram-se repletas de jovens cheias de ambição. E temos conseguido afirmar-nos nas mais diversas áreas, com um sucesso que poderíamos chamar de surpreendente se não estivéssemos tão certas e seguras das nossas capacidades.

Mudámos e muita coisa à nossa volta também. “A mulher saiu de casa para trabalhar, e não só ganha a vida e colabora na receita familiar, como passou a ser uma ‘pessoa’”, comenta Raúl Iturra, responsável pelo departamento de Antropologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). Perante este facto, como é que os homens poderiam permanecer imutáveis? Resta-nos descobrir como lidaram com estes novos ventos.

“O sentimento social mudou e nós, adultos de hoje, criados na infância de ontem, não sabemos qual o modelo para nos orientarmos ou para dar apoio à geração seguinte, essa que pede conselho”, escreveu Raúl Iturra. Somos uma geração intermediária, que cresceu na realidade dos nossos pais, mas que agora vive ou-tra completamente diferente. Quem é, então, este novo homem que renasce – ou tenta renascer – do caos?

O sexo masculino ressente-se de todas estas mudanças, concordam os especialistas. E os homens assinam por baixo: “Estamos completamente perdidos nestes novos papéis. Ambos os sexos. Mas acredito que nós, os homens, estamos a encontrar o nosso lugar dentro de casa, com tudo o que a isto diz respeito”, observa Rogério Lopes Soares, de 45 anos, arquitecto, que acredita que a sua geração – e a que se segue – está a reencontrar um novo sentido para o masculino. Em representação dos homens, Rogério diz-se injustiçado pelos novos tempos. “Acompanhamos os filhos ao pediatra, fazemos as compras de supermercado, tratamos de coisas em casa e ainda dizem que não nos dedicamos à família ou ajudamos nas tarefas domésticas”, sublinha, indignado.

Com a falta de tempo no dia-a-dia de homens e mulheres, uma distribuição de trabalhos domésticos mais equilibrada fez-se obrigatória. Ou quase. “A divisão de tarefas passou a ser feita mais pela lógica do que pela distribuição por sexo”, observa a sexóloga e psicoterapeuta Paula Pinto. Mas a tendência é que a lógica desta divisão leve os homens a escolherem os afazeres que mais lhes proporcionam prazer. Dados estatísticos indicam que, apesar de estes dedicarem mais tempo às tarefas domésticas do que os seus pais, por exemplo, as mulheres continuam a investir proporcionalmente muito mais do seu tempo nas lides do lar. Os estudos estatísticos mostram ainda que a tarefa de eleição dos homens é a das compras de supermercado. O cuidado com os filhos também começa a seduzi-los, assim como algumas eventuais visitas à cozinha lá de casa. Em geral, só para preparar refeições. A limpeza dos tachos, panelas e pratos não está incluída. Mas as máquinas e os avanços da tecnologia existem para isso mesmo.

E se este homem moderno já encontra prazer em alguns traba-lhos antes exclusivos da mulher, começa igualmente a encontrar--se à vontade num terreno tido desde sempre como tipicamente feminino: o das emoções. Já não tem medo de encarar e assumir a sua faceta mais sensível. “A mulher sempre teve mais facilidade de colocar a emoção no que está a fazer. O homem poderá fa-zer o mesmo, mas de uma forma mais controlada. Na realidade, os sentimentos são iguais para homens e mulheres, a maneira como os expressam é que é diferente”, afirma Paula Pinto. E acrescenta: “Os homens já se sentem bem a desempenhar certos papéis sem se sentirem como alvo de chacota e sem acharem que a sua virilidade será posta em causa.”

Entre estes papéis está o de pai. E deste tema Rogério Lopes Soares fala ainda com mais à-vontade. É dirigente da Associação Sempre Pais, “uma organização que defende que os filhos de pais separados têm os mesmos direitos que os filhos de pais que vivem juntos, ou seja, o de contar com ambas as famílias e de manter as relações familiares”. São os homens que indubitavelmente mais recorrem a esta associação. Fazem-no porque têm dificuldade em estar com os filhos de casamentos dissolvidos e por não abrirem mão de viver plenamente o seu papel de pais (do qual, por alguma razão, foram privados).

Pai extremoso e convicto, Rogério Soares sentiu na pele este problema ao lutar pela guarda dos seus filhos depois de dois divórcios. “A Justiça portuguesa baseia-se em mo-delos que já não são os reais. Fui retirado de uma decisão judicial por ser homem. Nos tribunais é fácil a mulher convencer o juiz de que o homem é incapaz de ficar com as crianças. Assim como é fácil acreditar na violência do homem. A mulher pode declarar que o homem é violento e, se calhar, não precisa de o provar, enquanto se o homem fizer o mesmo terá de apresentar provas muito concretas para que a afirmação seja aceite”, comenta. “No meu caso, a juíza não acreditou na forma dedicada com que eu cuidava dos meus filhos. Não acreditou, por exemplo, que eu passava a ferro as saias plissadas da farda da minha filha e disse-me que os homens não faziam essas coisas.”

A nível profissional, a situação do homem também mudou. Do emprego certo e de salário suficiente para suprir as necessidades da família, passou a trabalhar mais horas e a ganhar menos. “A Economia aproveitou-se da entrada das mulheres no mercado de trabalho. A sua presença representa mais oferta e, como as leis da economia ditam, quando a oferta aumenta o va-lor do produto cai. Assim, os salários baixaram. E agora, a mu-lher precisa mesmo de trabalhar para equilibrar o orçamento familiar”, sublinha o sexólogo e psicoterapeuta José Pacheco.

Mas não é apenas uma questão de carga de trabalho. “As mu-lheres estão a levar vantagem sobre nós, os homens. Hoje, os trabalhos não requerem força para nada. Estamos no tempo da eficiência, da eficácia e da rapidez”, comenta Rogério Lopes Soares. E acrescenta: “Já me senti discriminado algumas vezes quando buscava trabalho. As mulheres ganham menos e têm uma capacidade organizativa melhor. Mas a culpa é nossa. Enquanto os homens baixaram os braços, as mulheres continuaram a estudar, a aprimorar-se e a alimentar a sua ambição. Assim, elas acabaram por ganhar esta guerra.”

E se no trabalho o homem se ressente, vendo vir à tona os seus temores mais profundos – de não ser suficientemente bom ou de se revelar incompetente –, a nível sexual, o panorama é ainda mais complicado. A questão do sexo é um tema ainda mais sensível para o universo masculino. “Antigamente, os homens nunca tinham falta de desejo sexual. Na realidade, eram eles que determinavam a frequência das relações e, portanto, o desejo estava à sua medida. Hoje, a mulher também tem espaço para o exprimir. Os dois membros do casal têm de equilibrar o seu apetite sexual, o que dá margem a que surjam divergências na relação”, comenta o sexólogo e psicoterapeuta José Pacheco.

“No passado, o prazer era reprimido, mas na sociedade hedonista em que hoje vivemos, pelo contrário, é valorizado. Estamos constantemente a ouvir que o sexo é bom, que faz bem à saúde, que dá muito prazer… mas em contrapartida, com o ritmo de vida que as pessoas levam, não há tempo nem disposição para o praticar”, acrescenta o especialista. “Sob o ecrã do prazer, o grau de exigência a nível da satisfação é bastante alto. E isto gera frustração para homens e mulheres.” Pior ainda: acaba por recair um peso grande sobre os ombros do homem, para quem o sexo sempre foi um bastião da sua essência masculina. “E quando há pressão para o desempenho, há medo. E, com medo, a probabilidade de falhar é maior”, declara José Pacheco.

Mas existem diversos Portugais. E nem todos sentiram da mesma forma os sinais dos tempos. A evolução dos papéis masculinos e femininos deu-se a várias velocidades, e as maiores mudanças verificaram-se (e ainda se verificam) nos grandes centros urbanos. De acordo com o antropólogo Miguel Vale de Almeida, no livro Senhores de Si – Uma Interpretação Antropológica da Masculinidade (Fim de Século), “há várias masculinidades e várias feminilidades”. E talvez possamos dizer que a vivida no interior do país, na província, se aproximaria da forma de estar masculina mais tradicional, mais próxima da sociedade patriarcal de há cerca de 20, 30 anos, proporcionando um contraste significativo com a forma de estar do homem moderno das grandes cidades.

Na aldeia de Pardais, no Alentejo, onde desenvolveu o seu trabalho de investigação, o autor verifica que o café é o local pri-vilegiado para o convívio dos homens, um ambiente exclusivo masculino onde a mulher só vai quando os homens lá não estão. É definido como a “casa dos homens”, uma vez que a casa propriamente dita – o lar – é o reduto da mulher. “Nas sociedades mediterrânicas, o bar ou café é uma instituição focal da vida pública, por excelência o palco da sociabilidade masculina”, escreve. E continua: “ (…) a domesticidade e a solidão são mal vistas – como sintomas de anti-socialidade e de virilidade dimi-nuída –, por parte dos homens, e porque as próprias mulheres como que os empurram para fora do espaço doméstico, fe-minilizado ao ponto de a presença deles ser indesejada.”

“Mas não basta estar com os outros homens: o que se faz com eles – beber, fumar, partilhar, conversar, competir e brincar – são actividades coercivas”, afirma o antropólogo, acrescentando que “junto com o beber vem o falar... A conversa em torno da bebida é regida pela retórica das histórias exageradas, em que predominam as de caça, pesca e sexo, e o comentário em voz alta sobre o trabalho, o sexo, as mulheres e o futebol, evitando a política e deixando o comentário sobre os ricos para o sottovoce de grupos restritos”.

Não estamos longe do estereótipo – muitas vezes negativo – que muitas vezes se cola à imagem do homem em geral. No livro Os Homens são de Marte, as Mulheres são de Vénus (Rocco), o autor, o psicó-logo John Gray, afirma que as conversas entre homens tendem sempre a girar em torno de elementos de afirmação como mu-lheres, carros e companhia. O antropólogo Raúl Iturra, por sua vez, afirma que “o que mais define o homem nas culturas romanas é a concorrência. Um homem só tem orgasmo quando conta ao amigo com quem foi para a cama. Esta conversa funciona como o acabamento do sentimento do prazer orgásmico”.

Na sua análise, John Gray afirma ainda que os homens valorizam o poder, a competência, a eficiência e a realização, que estão sempre a fazer coisas para se porem à prova e desenvolverem o seu poder e habilidades. Estão interessados em objectos e coisas, mais do que pessoas e sentimentos. Para o psicólogo, enquanto as mu-lheres fantasiam sobre o romance, os homens fantasiam sobre carros potentes, computadores ultramodernos e rápidos, dispositivos e aparatos da mais moderna e poderosa tecnologia.
De acordo com Miguel Vale de Almeida, “os homens são rivais potenciais na competição pela masculinidade, ao mesmo tempo que defendem a igualdade fraterna dos membros do mesmo sexo”. A cumplicidade masculina é famosa e contrasta com a estereotipada rivalidade feminina.
Mas “ser homem (…) nunca se reduz aos caracteres sexuais, mas sim a um conjunto de atributos morais de comportamento socialmente sancionados e constantemente reavaliados, negociados, relembrados. Em suma, em constante processo de construção”, observa Miguel Vale de Almeida. E assim, mais vale transformar a questão da igualdade num projecto de complementaridade em que homens e mulheres caminhem lado a lado.

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