18 maio 2007

Amor e ódio no casamento.

Segundo Freud, nem mesmo o relacionamento amoroso mais profundo pode evitar certa ambivalência e nem o casamento mais feliz pode evitar uma certa porção de sentimento hostis.

Escreve William Howells: "A textura matrimonial suporta uma tenção à qual nenhum outro relacionamento humano pode ser submetido sem ser lesado. E, as vezes, uma pessoa sem nenhuma intenção de ferir, apenas pela sua existência, pode ser prejudicial a outra."

Entretanto, as vezes, o elo entre marido e mulher é mais forte que qualquer dano que se possam causar. Por outro lado nenhum casal de adultos consegue provocar mais dano ao outro do que marido e mulher.

O psicanalista Israel Charny argumenta que "empiricamente a grande maioria dos casamentos está sujeito a profundas tensões destrutivas, visíveis ou não." Ele sugere a seguinte definição para o casamento: "é um relacionamento carregado de conflito e tensão, cujo sucesso exige um perfeito equilíbrio entre amor e ódio."

Ao longo de minha vida profissional coligi histórias de males deliberadamente causados: deslealdades, tolerância zero para falhas do companheiro, brigas com unhas e dentes sobre assuntos como dinheiro, religião e sexo. "Se eu tivesse de definir meu marido, disse-me uma paciente, baseada nos abusos e na dor infligida, acho que teria de considerá-lo meu pior inimigo." Um outro psicólogo sugere que marido e mulher são "inimigos íntimos".

Levamos para o casamento uma infinidade de expectativas românticas. As tensões e conflitos começam com a morte destas expectativas. A inimizade aparece porque as expectativas não realizadas tornam-se metáforas para todas as falhas do companheiro.

Isto porque levamos também para o casamento desejos inconscientes e sentimentos mal resolvidos da infância, e, orientados pelo passado, fazemos exigências no casamento sem perceber que as estamos fazendo.

Nos braços do nosso grande amor, procuramos atender os anseios e objetivos de desejos do passado. E as vezes, odiamos nosso companheiro ou companheira por não satisfazer esses desejos antigos e impossíveis.

Expectativas impossíveis, necessidades não satisfeitas e díspares são fontes continuas de tensão e desentendimento conjugal.



Produzem a parte infernal do casamento. E, embora grande parte de nosso objetivo de vida esteja em viver nessa instituição, ela aparentemente jamais foi inteiramente confortável para nenhum dos sexos. Na verdade, tem sido sempre a fonte principal de sofrimento humano. A sensação de uma profunda tensão entre homem e mulher tem impregnado a vida da nossa espécie desde tempos imemoriais, até onde os estudos dos mitos e rituais nos permitam examinar o sentimento humano.

Esse sofrimento nos dominará até que as mulheres se libertem do papel de bode expiatório - ídolo - mantenedora - devoradora. Esse sofrimento continuará a impregnar os relacionamentos entre homens e mulheres até que homens e mulheres criem juntos seus filhos.

A guerra entre os sexos pode resultar do fato de as mulheres criarem os filhos? A psicologia, de certo modo, apoia esse ponto de vista.

Devemos lembrar que os meninos, no processo de formação de sua identidade sexual, precisam se desligar do elo que os une à mãe. As meninas podem ser meninas continuando a se identificar com a figura materna, mas os meninos não podem.

Assim a relação íntima torna-se uma coisa confortável e valiosa para as mulheres, ao passo que uma intimidade muito grande torna-se uma ameaça para os homens. Essa diferença entre os sexos produz um distanciamento tão grande que, diz a terapeuta Lilian Rubin, marido e mulher geralmente vivem como "estranhos íntimos". "Quero que ele fale comigo". "Quero que ele me diga o que sente". "Quero que ele tire a máscara e seja vulnerável". São queixas constantes das mulheres.

A mulher precisa compartilhar sentimentos, ouvir os sentimentos dele, falar sobre os dela, e essa necessidade entra em choque com a relutância masculina de tratar desse assunto.

Os homens procuram autonomia, as mulheres desejam intimidade. Essa diferença talvez seja a principal responsável pelas tensões conjugais.

Os estudos revelam que mais mulheres do que homens estão insatisfeitos com o casamento. É maior o número de mulheres que se queixam dos maridos. Mais mulheres do que homens falam de problemas conjugais. Mais mulheres do que homens consideram seus casamentos infelizes e se arrependem do casamento que fizeram. Mais mulheres do que homens já pensaram em separação.

A esses estudos podemos acrescentar os seguintes resultados: as mulheres correspondem mais às expectativas dos maridos que eles às delas. As mulheres fazem mais concessões e adaptações.

A psicóloga Jessie Bernard chegou a conclusão de que o preço do casamento é mais alto para as mulheres do que para os homens. Ela afirma que o mesmo casamento é diferente para o homem e para a mulher. "Assim, em toda união matrimonial existem dois casamentos: o dele e o dela. E o dele, quase sempre, é melhor".

Contudo, a despeito dos problemas conjugais e das avaliações negativas, mais mulheres do que homem vêem o casamento como uma fonte de felicidade. Com sua maior necessidade de amor, companheirismo e relacionamento duradouro, elas se agarram ao casamento por mais difícil que seja.

Contemplando o futuro do casamento, Jessie Bernard acredita que ele sobreviverá, embora as exigências que os homens e mulheres fazem do casamento jamais possam ser plenamente satisfeitas. Ela diz que homem e mulher, não importa que tipo de união seja, continuarão a desapontar-se e a dar prazer um ao outro. E o casamento, diz ela, continuará a ser um relacionamento "intrinsecamente trágico", no sentido de simbolizar um conflito insolúvel entre desejos humanos incompatíveis.

E devemos nos lembrar sempre que não existe amor humano sem ambivalência.

JUDITH VIORST do livro "Perdas Necessárias"

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