Ou eu estou a ver tudo mal ou alguém perdeu o juízo.
Tenho ouvido técnicos, governantes e até o primeiro-ministro dizerem, em tom científico, que "Portugal não pode ficar fora da rede europeia de alta velocidade".
E ponto final: ninguém lhes pergunta porquê, qual a razão por que não pode.
Será uma questão de orgulho nacional, uma exigência de Bruxelas?
Porque será que um país como a Suécia - imensamente mais rico, mais desenvolvido, com um sector exportador muito mais forte e até um território muito mais extenso - vive bem sem TGV e nós não?
Mas, enfim, por princípio há que acreditar que quem governa sabe o que está a fazer - até prova em contrário.
Para meu espanto, porém, acabo de ler que o governo, através da secretária de Estado dos Transportes, anunciou que um bilhete Lisboa-Madrid no TGV vai custar 100 euros, um preço que ela afirma ser "altamente competitivo, sobretudo face à aviação comercial".
E o espanto deriva de três razões: primeiro, ficar a saber que o preço visa apenas garantir que a exploração da linha não será deficitária, mas não tem qualquer veleidade de, nem a longuíssimo prazo, conseguir amortizar um euro que seja do imenso investimento público a realizar; segundo, que este preço é mais caro do que o que se pratica para igual distância em todos os países europeus que têm TGV, o que quer dizer que em Portugal, com menor poder de compra, as pessoas pagam, quase sempre, mais caros os serviços públicos - e o próprio governo já assume este absurdo e esta incompetência como uma fatalidade incontornável, mesmo para o futuro; e, finalmente, o que me espanta ainda é constatar que, ao contrário do que diz a secretária de Estado, 100 euros para fazer a ligação de comboio de Lisboa a Madrid é mais caro 20 a 50% do que os preços praticados numa companhia aérea regular e mais do dobro dos preços numa «low cost».
E, mesmo assim, não está garantido - antes pelo contrário - que a exploração não resulte em prejuízo.
Em resumo, o governo propõe-se:
a) fazer um investimento público brutal, de que jamais se espera poder amortizar um cêntimo;
b) praticar preços mais caros que serviços congéneres no estrangeiro e mais caros que a concorrência aérea;
c) e, mesmo assim, teme-se que o serviço seja deficitário, porque, muito provavelmente, não haverá procura que o sustente.
Ou eu estou a ver tudo mal ou alguém perdeu o juízo.
Miguel Sousa Tavares in Jornal Expresso, dia 5 de Maio de 2007.
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