19 julho 2007

Não sei se já reparas-te, mas as marmitas e os tupperwares voltaram às empresas ...

Hoje tive um devaneio pessimista mas deverá ser da dureza da realidade com que me confronto todos os dias, não sei ...

Já não se almoça, come-se qualquer coisa.

Nos supermercados dos grandes centros urbanos, há gente a pedir aparas de frango e de fiambre.

No interior do País, famílias insuspeitas recorrem aos cabazes alimentares distribuídos pelas câmaras municipais.

Onde antes se tirava ao supérfluo hoje tira-se à comida.

Os filhos, a creche, as distâncias casa-trabalho, o empréstimo, os ordenados baixos, os aumentos inexistentes, as miragens do amanhã que tarda, não garantem a dignidade nem dão asas aos desejos.

Mas os salários de miséria convivem amiúde com expectativas de grandeza.

Marcas, empresas, estratégias de marketing, bancos, governantes, artistas, modelos, futebolistas, convencem-nos de que podemos ter a vida que não conseguimos pagar.

Dizem-nos, insinuam, que podemos ter as férias do patrão.

O gabinete e o bem bom.

A casa, o carro e o relógio do chefe.

Ir onde ele vai, frequentar o mesmo restaurante, o ginásio, o SPA, o que tiver de ser.

Ler o que ele lê para assim estarmos mais próximos da cadeira do poder.

Se ele pode porque é que eu não posso?! – Perguntamos nós os dois, indignados.

Grande civilização esta que democratiza a ilusão, mas esconde o preço para sustentar a miragem.

No fundo, governos, empresas, bancos, dão-nos crédito ao sonho, mas dizem-se indisponíveis para ajudar-nos a pagar a realidade de todos os dias.

E nós vamos na conversa.

Porque queremos ser cada vez maiores e melhores.

Belos, giros, modernaços, actualizados, ambiciosos.

Dantes, no tempo dos nossos avós, até a ambição era uma coisa feia, mal vista e frequentada.

Tresandava a falta de escrúpulos.

Hoje é condição obrigatória em anúncios de emprego no jornal para os quais se exige 12 anos, doutoramento em universidade estrangeira, brevet de piloto, carta de marinheiro, carta de condução, e tudo o mais que o candidato nunca pode imaginar.

Buscamos o amor e a paixão em livros de ocasião, as competências em manuais, as curas em técnicas orientais.

Por vezes, no local de trabalho, dizem que somos indispensáveis.

Falam de motivar equipas, libertar o génio que há em nós.

Dão-nos cursos para nos tornarmos trabalhadores multi-qualquer-coisa, flexibilizar ritmos, encarar a insegurança na profissão como um desafio às nossas capacidades.

Mas na mercearia ou no supermercado, ao final do dia, ainda não aceitam elogios como pagamento, pois não.

Um dia, dizem-me alguns, ainda crédulos, isto vai estourar como uma panela de pressão.

Lamento desiludir, mas não vai nada.

Já estoirou e está pronto a servir a quem tem direito de nos comer.

Ficcionamos a vida como uma série de televisão (desesperadas, médicos, enfermeiras, etc.).

E gostamos de nos ver assim.

Sempre à espera do próximo episódio.

Do final feliz que não vem com a realidade.

Até que o fim chegue, teremos sempre esta sensação de escravidão no nosso corpo …

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