23 agosto 2007

O erro gravíssimo cometido pelos professores académicos da avaliação de desempenho em ambiente laboratorial (ou profissional) …

Começaria por recitar-te:

The Fly

Little Fly

Thy summer's play

My thoughtless hand

Has brushed away.

Am not I

A fly like thee?

Or art not thou

A man like me?

For I dance

And drink, and sing,

Till some blind hand

Shall brush my wing.

If thought is life

And strength and breath

And the want

Of thought is death;

Then am I

A happy fly,

If I live,

Or if I die.

William Blake

Agora, vou contar-te a história da mosca que um dia serviu de cobaia para um estudo universitário.

Um cientista analisava, em laboratório, uma mosca colocada em cima de uma mesa.

Afirmou: Voa mosca!

E a mosca, reagindo aos seus movimentos, voou.

Com uma faca, devidamente desinfectada, cortou uma das asas à mosca e voltou a dizer agora em alto som para ter a certeza que seria perceptível: Voa mosca!

Lá com muita dificuldade, a mosca conseguiu voar.

O cientista, após desinfectar mais uma vez a faca, cortou a outra asa à mosca e repetiu a gritar: Voa mosca!

Obviamente a mosca não conseguiu levantar vôo.

Após estes resultados, o cientista elaborou o seu relatório concluindo que “Depois de cortar as duas asas à mosca, ela ficou surda.”

Chegou o momento de reflectirmos os dois profundamente sobre esta história que acabo de contar-te.

Esta história retrataria muito bem o que se pretende fazer com a aplicação do método científico da avaliação de desempenho das funções prestadas por todos aqueles que servem a administração pública.

Como é que se consegue cortar (reduzir, congelar ou aumentar em 0% anualmente) os rendimentos da sobrevivência (as asas) dos trabalhadores (moscas) e ao mesmo esperar que a produtividade aumente (ou levante vôo)?

De que serve a aplicação de um teste à performance de um trabalhador (avaliação de desempenho da mosca) se o avaliador pretende, à partida, obter conclusões erradas, convencido de que consegue identificar que o problema reside nesse próprio trabalhador (na mosca)?

Quem é que está preocupado com a mosca (o trabalhador) que, entretanto, no final desta experiência deve ter morrido?

Se a mosca (trabalhador) já tem filhos, outra mosca na sua vida (cônjuge, namorado ou amante) ou se está grávida (de gémeos), será que o cientista (avaliador) tinha o direito de a matar em nome do progresso da ciência cega e errante (ou da eficiência económica), pondo em causa, para além do seu direito à vida, todos os outros seres que a ela estavam ligados?

Onde é que existe o tal bom senso (que eu nunca saberei o que isso significa) ou mesmo racionalidade em toda esta história?

Até que ponto são as pessoas, enquanto trabalhadores, convencidas a serem ou a tornarem-se como moscas?

Como é que a sociedade consegue produzir um cientista deste tipo?

E será que existe a hipótese, ainda que remota, do cientista vir a ser uma mosca (O feitiço vira-se contra o feiticeiro)?

Sempre ouvi dizer que perto de excrementos existem moscas. Assim, porque é que não deixam as moscas em paz num mundo que só mesmo elas, na qualidade de grandes seres vivos corajosos, a muito custo e sacríficio, conseguem sobreviver, sem ter ainda que as submeter à condição de cobaias?

Porque é que ninguém, com um espírito crítico mínimo, não põe em causa os resultados que se lhes apresentam à frente, o método utilizado, as feridas graves que se têm de inflectir sobre a vida das cobaias, a escolha de seres frios e desumanos para lugares de cientistas (avaliadores) cujo perfil não se pode distanciar da realidade com que vive o povo à sua volta?

Se a mosca (trabalhador), mesmo após ter ficado sem ambas as asas, em esforço para além do que é transcendentalmente aceite e conhecido, ainda tivesses forças para pôr em causa o teste a que foi submetida, e se conseguisse arrastar-se até à borda da mesa e se debruçasse, em estilo suicida, e caísse do cimo da mesa para um último vôo elíptico em direcção ao sofá (ao invés de ir parar directamente ao chão, em simples tombar vertical), qual teria sido a avaliação final feita pelo cientista (avaliador), cujo subjectivismo da conclusão ainda se admitiria que contivesse algum grau de incerteza e ignorância puramente académica?

O que é que existe realmente de tão diferente entre a teoria do que não se consegue explicar, mas é possível concluir erradamente como um facto deturpado, e a realidade prática do dia-a-dia na vida e profissão de cada um de nós?

Alguma vez ou alguém um dia ousou pensar que as pessoas são como moscas?

Será que não há sequer uma pessoa iluminada neste mundo, que na condição de observador, consiga esclarecer se a mosca (trabalhador) somente não conseguiu voar (realizar-se) porque simplesmente alguém muito mau e com um carácter desprezível lhe tinha eliminado a sua capacidade ou os próprios meios (de sustento) para voar (sobreviver) e ansiava cinicamente que não o fizesse para provar que estava certo das suas ideias falsamente pré-concebidas?

em jeito de tradução alheia de tal recital inicial:

A Mosca.

Pequena Mosca,

Teus jogos de estio

Minha irreflectida

Mão os destruiu.

Pois como tu,

Mosca não sou eu?

E não és tu

Homem como eu?

Eu canto e danço e

Bebo, até que vem

Mão cega arrancar-me

As asas também.

Se é o pensamento

Vida, sopro forte,

E a ausência do

Pensamento morte,

Então eu sou

Uma mosca travessa,

Mesmo que viva

Ou que pereça.

(Tradução de José Paulo Paes)

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