21 agosto 2007

A dupla tributação no sector automóvel.

Consta que o Governo Português procedeu à alteração do regime da tributação automóvel, conhecendo a posição da Comissão Europeia relativamente à incidência do IVA sobre o Imposto sobre Veículos.

A edição do jornal “Público” de hoje avança que o Governo Português procedeu à alteração do regime da tributação automóvel, conhecendo a posição da Comissão Europeia relativamente à incidência do IVA sobre o Imposto sobre Veículos.

Bruxelas considera existir uma dupla tributação económica, tendo mesmo remetido uma carta ao executivo português em 18 de Outubro do ano passado, alertando para o facto de Portugal estar a violar a directiva do IVA e exigindo esclarecimentos no prazo de dois meses.

Com a reforma da tributação automóvel ocorrida no país, o IVA passou a incidir sobre o Imposto sobre Veículos, sendo que anteriormente incidia sobre o Imposto Automóvel.

Em consequência, Portugal foi alvo de um processo de infracção, iniciado pela Comissão em Julho do corrente ano.

Não obstante, a reforma avançou e o Governo insiste na dupla tributação, em claro incumprimento das orientações comunitárias, tal como noticiado pelo “Público”.

Fonte:
http://www.publico.clix.pt/Economia/noticia.asp?id=1302780

Impostos
Nova tributação automóvel avançou apesar de críticas da CE.
21-08-2007 10h47.
Por Vítor Costa.
Daniel Rocha/PÚBLICO (arquivo).
Portugal já conhecia a posição da Comissão quando avançou com a reforma de tributação automóvel que se encontra em vigor
O Governo já sabia que a Comissão Europeia (CE) considerava ilegal o facto de o IVA incidir sobre o Imposto Automóvel (IA) quando decidiu avançar com a reforma da tributação automóvel actualmente em vigor e onde subsiste a norma que Bruxelas considera ilegal, mantendo o IVA a incidir, agora, sobre o Imposto sobre Veículos (ISV).Apesar de Bruxelas apenas ter tornado pública a sua posição sobre a tributação automóvel em Portugal a 3 de Julho do corrente ano, já a 18 de Outubro do ano passado, através de carta, a CE tinha notificado Portugal de que não estava a cumprir a chamada directiva do IVA. Nessa carta, Bruxelas exigia a Portugal que lhe apresentasse as suas observações sobre o assunto, no prazo de dois meses, reservando-se o direito de formular posteriormente um parecer fundamentado sobre o caso, o que veio a acontecer no passado mês de Julho. Perante esta carta, as Finanças, com base num parecer de Dezembro de 2006 do Centro de Estudos Fiscais (CES), a que o PÚBLICO teve acesso, terão respondido, defendendo a legalidade do sistema nacional. Meses mais tarde, já em Março do corrente ano, o Governo decidiu avançar com a reforma da tributação automóvel, que se encontra em vigor, mantendo a incidência do IVA sobre o ISV. Em Julho, Bruxelas concluiu o referido parecer fundamentado e deu mais dois meses ao Estado português para se explicar, reservando-se agora o direito de colocar uma acção judicial junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE). Confrontada com esta situação, fonte oficial do Ministério das Finanças refere que Portugal irá cumprir o prazo dado para responder. Recorde-se que as Finanças já vieram a público defender a legalidade do sistema de tributação automóvel em Portugal e lembrar que o prazo dado por Bruxelas termina na primeira semana de Setembro.Os argumentosO eventual processo judicial de que o Estado terá de se defender resulta do facto de o sistema de tributação automóvel em Portugal - o antigo e o que está em vigor - incluírem na base tributável para efeitos de IVA o valor do antigo IA e/ou actual ISV. Ou seja, o IVA em vigor que os contribuintes pagam quando adquirem uma viatura incide, entre outras rubricas, sobre o preço base do automóvel mas também sobre o valor do ISV.É esta incidência que a CE considera ser desconforme com a directiva do IVA. Não pela incidência em si, mas pelo facto de considerar que o antigo IA, e agora o ISV, é um imposto de matrícula que os vendedores recebem dos compradores a "título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos". Recorde-se, aliás, que o interesse de Bruxelas nesta matéria resulta de o Estado dinamarquês já ter sido condenado pelo TJCE por aplicar um sistema de tributação em que o IVA incide sobre o imposto de matrícula.Portugal, por seu lado, com base no já referido parecer do CES, considera que o IA, e assim o ISV, "é um imposto especial de consumo que (...) incide sobre a introdução no consumo de determinados veículos automóveis. (...) Como tal, não se trata de um imposto de matrícula, como pretende a Comissão". Por outro lado, sublinha-se no mesmo parecer, o IA português (...) é baseado noutros pressupostos e estabelece regras muito diferentes das que regulam" o imposto automóvel dinamarquês, "nomeadamente em relação aos factos tributários e ao momento do nascimento da obrigação de imposto, à identificação dos sujeitos passivos devedores do mesmo, bem como a quem compete o cumprimento das obrigações declarativas e a sua liquidação e cobrança". O parecer concluiu, assim, que o processo de infracção instaurado pela Comissão "deve ser arquivado".

P&R1 – É legal, ou não, a aplicação do IVA sobre o IA e, agora, sobre o ISV? 2 – Como podem os contribuintes reaver o imposto que lhes foi cobrado em excesso? 3 – Na expectativa de que o caso chegue a Tribunal, o que devem os contribuintes fazer?
_______________________________________________________________________________ ANTÓNIO CARLOS SANTOS
Fiscalista; antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Em parecer fundamentado, visto como um degrau para a instauração de um processo de infracção junto do TJCE, a Comissão recomenda a Portugal que altere a legislação de forma a terminar com a incidência do IVA sobre o IA. A questão pôs-se na vigência do anterior regime do IA, mas pode igualmente pôr-se agora, se se entender que idêntico problema subsiste.Esta intervenção da Comissão suscita dois comentários prévios: 1º) ao longo de toda a vigência do anterior IA a Comissão nunca havia suscitado esta questão, apesar de ter questionado outros aspectos do regime de tributação; 2.) a questão só se pôs em rigor no seguimento da sentença do TJCE de 1 de Junho do ano passado relativa ao processo interposto por uma associação de importadores dinamarqueses contra o Estado. Esta associação pretendia que o IA dinamarquês fosse incluído na base de tributação do IVA acrescendo ao preço final do distribuidor. Para o efeito invocava o artigo 11 n.º 2 da Sexta Directiva (então em vigor) segundo o qual a matéria colectável do IVA inclui os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com excepção do próprio IVA. Este, que era o entendimento de uma parte da doutrina, era também o entendimento do Estado português: a directiva não distinguia entre impostos de matrícula e imposto ligados directamente à transmissão dos bens e por isso o IA embora fosse um imposto de matrícula deveria ser incluído na matéria colectável.O TJCE não seguiu o entendimento da associação dinamarquesa e decidiu que, no quadro de um contrato de venda que preveja que o distribuidor deva entregar um veículo já matriculado por um preço que englobe o imposto de matrícula por ele pago antes da entrega do veículo, o montante desse imposto não pode ser incluído no valor tributável do IVA, uma vez que o imposto automóvel é nesse caso um imposto de matrícula pago pelo fornecedor do veículo por conta do adquirente. Estaríamos assim perante a aplicação do n.º 3, alínea c) do artigo 11 da Sexta Directiva em rigor não estaríamos perante um imposto para este efeito, mas perante quantias que o fornecedor recebe do adquirente a título de reembolso das despesas efectuadas que, como tal, não integram a base de cálculo do IVA.É com base neste argumento que a Comissão pretende agora que Portugal modifique a sua legislação, uma vez que entende que o regime do IA português é idêntico ao regime do IA dinamarquês. Desconhecendo qual a posição do Governo português nesta matéria, deve sublinhar-se antes de tudo que o parecer da Comissão não é vinculativo, que não existe uma verdadeira regras de precedente judiciário na Comunidade (mas apenas a alta probabilidade de o TJCE, se considerar os regimes como idênticos, decidir em conformidade com a sentença anterior). Isto significa que se entretanto a questão for suscitada junto de um Tribunal português este terá de ouvir o TJCE a título de questão prejudicial. E que só depois de decidida esta (para o caso concreto) ou decidido o processo entretanto instaurado pela Comissão, a questão da devolução do imposto cobrado a mais se poderá pôr. E ainda aqui há que ter em conta que provavelmente o Governo português invocará os princípios da boa-fé e da confiança legítima para evitar devoluções de imposto de casos anteriormente resolvidos. De facto estava em causa uma diferente interpretação da lei comunitária que apenas veio a ser decidida em 1 de Junho de 2006. Por isso a prudência obriga a aguardar desenlaces futuros. Caso Portugal não reveja o regime e perca a acção e o princípio da confiança legítima não seja considerado, aí sim poder-se-á pôr a questão da revisão dos actos tributários praticados nos últimos quatro anos, uma vez que esta revisão é considerada pela doutrina dominante como um verdadeiro poder-dever. Já em relação às aquisições recentes de veículos, quer ao abrigo do antigo quer do novo regime, será aconselhável apresentar junto da administração aduaneira uma reclamação graciosa dentro dos prazos normais.A título de exemplo:Hipótese 1: o processo prossegue a questão vai a TJCE pela mão da Comissão e Portugal perde a acção. Sub-hipótese a): Portugal altera a lei, mas não é considerada a invocação da confiança legítima (o que pessoalmente acho difícil acontecer). Neste caso, abre-se a via da revisão pela administração aduaneira do imposto pago nos últimos 4 anos. Se esta recusar, o processo segue para Tribunal. Sub-hipótese Sub-hipótese b): Portugal altera a lei, mas é considerada a confiança legítima pelo menos até à sentença contra a Dinamarca: neste caso só os casos que medeiam entre esta sentença e a alteração da lei poderão ser alvo de revisão para restituição do imposto.Hipótese 2: enquanto não se sabe o que acontece em TJCE, o contribuinte pode (e deve) reclamar graciosamente dentro dos 90 dias previstos por lei após a compra, facto gerador de IVA. Se, como se prevê, a decisão for negativa (creio que o Estado não decidirá a favor do contribuinte sem saber qual a decisão do TJCE no processo instaurado pela Comissão), pode recorrer para os Tribunais portugueses. Mas estes terão que ouvir, a título prejudicial, o TJCE. Ora é provável que o TJCE decida o processo interposto pela Comissão antes deste. De qualquer modo esta reclamação parece-me ser o meio mais fácil e barato para o contribuinte para ser utilizado.
ROGÉRIO FERNADES FERREIRA
Fiscalista; antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
1 - Nesta data, não está ainda decidido que seja ilegal a referida cobrança do IVA, mesmo no quadro legal que vigorou até 30 de Junho de 2007. Nenhum tribunal se pronunciou sobre esta matéria em concreto. A posição da Comissão Europeia, ao enviar um parecer fundamentado a Portugal, dá, sim, conforto a quem resolva questionar o Estado português, via reclamação graciosa, pedido de revisão oficiosa e impugnação judicial. Mas mesmo que as explicações do Governo português não sejam satisfatórias, a Comissão europeia não é obrigada a mover uma acção no Tribunal de Justiça contra o Estado português. Neste caso, vigora o princípio da oportunidade e, portanto, a Comissão pode entender preferível, nesta conjuntura, não accionar o Estado português. E relembro, neste contexto, os atrasos que se registam no seguimento da via do Tribunal de Justiça no caso da “golden share” da PT. O Tribunal de Justiça, por seu lado, não é obrigado a concordar com a posição da Comissão, embora devamos ter presente que os Serviços Jurídicos da Comissão são, em regra, cuidadosos, fazendo a avaliação jurídica tendo em conta a jurisprudência disponívelO certo é que não é líquido que não se possa caracterizar o facto gerador, no caso do IA (e, porventura, do ISV) – que é, recordo, um imposto não harmonizado –, e tal como sucede no caso dinamarquês, no sentido de que o pedido de matrícula e o correspondente pagamento do IA não têm, muitas das vezes, “ligação directa” com essa entrega, ou de que há situações várias em que o facto gerador do IA é efectivamente autónomo do do IVA, ou de que o mesmo não depende da entrega do veículo, mas, afinal, da sua matrícula, o será, naturalmente, produto das diferenças conceptuais que existem entre ambos os impostos, o que não tem podido ser sublinhado por quem seja cultor do IVA ou assessor do Governo. Pena foi que o problema não tenha sido assumido, como sugerido por alguns outros, aquando da recente reforma da tributação automóvel, dado que poderia, desde logo, ter sido equacionado sem qualquer demagogia, dado que o Governo não tem condições para poder abdicar dessa receita. Transcrevo, parcialmente, artigo que publiquei no jornal Expresso, em Dezembro de 2003, e que ganhou hoje actualidade: “Não tanto a quebra verificada nas vendas de automóveis ligeiros de passageiros no corrente ano (21%), mas, muito provavelmente, as orientações da União Europeia e a necessidade, já hoje premente, da redução de emissões de CO2, trarão para o centro das atenções governamentais, de novo, a reforma da tributação automóvel. Mas, não sendo viáveis por ora alterações estruturais, parece que se poderia reflectir, nomeadamente, sobre a possibilidade de o IVA incidente sobre o IA ser eliminado, mesmo à custa do aumento das taxas deste último, harmonizando a tributação automóvel com a de outros Estados membros com impostos idênticos e favorecendo a aquisição de veículos novos, em detrimento da “importação” de usados, com ganhos para a segurança rodoviária e o ambiente. “2 - Os consumidores finais, a quem o imposto (IVA sobre o IA) foi repercutido, podem questionar o respectivo pagamento no prazo de 90 dias directamente para o Tribunal ou no prazo de 120 dias se seguirem a via da reclamação graciosa ou mesmo no prazo de quatro anos, através de um pedido de revisão oficiosa, seguindo, neste dois últimos casos, depois, para Tribunal, que deve desaplicar normas que violem o direito comunitário. Para que o Tribunal de Justiça seja instado a pronunciar-se, basta, portanto, que um qualquer cidadão, que tenha, há menos de 90 dias, de 120 dias, ou de quatro anos, comprado um carro, e não concorde com a respectiva liquidação do IVA sobre o IA, apresente, no competente tribunal administrativo e fiscal ou junto do Director de Finanças (ou do chefe do serviço de finanças, em função do valor em causa), ou do Director-geral dos Impostos, consoante o caso, uma impugnação judicial ou uma reclamação graciosa ou um pedido de revisão oficiosa e, nestes dois últimos casos, que siga depois para tribunal. Dado que está em causa a interpretação do direito comunitário – o IVA é um imposto que, em matéria de incidência, está harmonizado comunitariamente –, o Juiz nacional ou decidirá desde logo sobre essa eventual violação do direito comunitário ou, certamente, por prudência, não deixará de utilizar o mecanismo do reenvio prejudicial para obter do Tribunal de Justiça a sua interpretação nesta matéria e decidir, depois, em conformidade: se a interpretação do Tribunal de Justiça, no caso do IA, for igual àquela que assumiu na decisão sobre o Imposto de Matrícula dinamarquês, o juiz nacional não terá, então, dúvidas em declarar a ilegalidade da incidência do IVA sobre o IA.3 – Os direitos dos contribuintes a quem foi repercutido o imposto, consumidores finais que adquiram as viaturas, devem ser exercidos nos prazos já referidos contados da data da aquisição da viatura, ficando a aguardar a decisão do juiz nacional, que poderá ter por base a interpretação do direito comunitário que o Tribunal de Justiça venha a fazer. Note-se que um juiz nacional pode entender de per si, isto é, sem ouvir o Juiz comunitário, que a lei portuguesa fere o direito comunitário e, por isso, não deve ser aplicada, dando razão de imediato ao contribuinte. No entanto, atendendo à prudência sempre revelada nestas matérias pelos nossos tribunais, não é de esperar que assim aconteça.
PEDRO AMORIM
Fiscalista, Ferreira Pinto & Associados
1 – Em bom rigor, estaremos a falar de uma aplicação não conforme com o Direito Comunitário (DC) que poderá vir a ser invocada pelos sujeitos passivos de IVA e/ou pelos consumidores. Digo estaremos, porque a questão ainda nem sequer foi sujeita à apreciação do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia (TJCE), que é o órgão jurisdicional que (em regra pelo mecanismo do reenvio prejudicial) tem competência exclusiva para avaliar a conformidade das legislações dos Estados-Membros com o DC.A meu ver a discussão desta questão não deve ser confundida com um juízo sobre o inegável peso excessivo da tributação do automóvel (IA, IVA e ISP) na receita fiscal, sob pena de entramos numa discussão de cariz populista que nada esclarece os contribuintes, os quais se vêem cada vez mais confrontados com normas fiscais muito mutáveis, complexas e de pouco rigor técnico-jurídico (basta atentar em qualquer Orçamento do Estado recente).Gostaria de destacar que todo este “processo” me causa várias perplexidades, de entre as quais assinalo as seguintes:• A primeira perplexidade prende-se com a posição da própria Comissão Europeia (CE) que sustenta o seu entendimento quase só no pressuposto de os impostos automóveis aplicados na Polónia e em Portugal serem “praticamente idênticos ao imposto dinamarquês analisado pelo Tribunal” (no Acórdão de 1 de Junho de 2006), algo que a meu ver não parece ser inteiramente líquido, mas que o TJ confirmará ou não;• A segunda perplexidade prende-se com o “timing” do anúncio público da CE, que tomou esta posição mais de um ano depois do TJ se ter pronunciado pela não conformidade com o DC da inclusão no valor tributável do IVA do imposto de registo que incide sobre a matrícula de veículos automóveis na Dinamarca. A coincidência com o início da presidência portuguesa e com a entrada em vigor Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, pode ser apenas isso, uma mera coincidência, mas não deixa de ser assunto a merecer reflexão;• A terceira perplexidade respeita às razões que terão levado o Governo a correr o risco de aprovar a “reforma global da tributação automóvel” quando sabia (ou, pelo menos, devia saber) que o novo regime legal poderia ser sujeito a “censura” da CE. Admito que o Governo tenha sólidos argumentos jurídicos para sustentar a posição do Estado português, mas era bom que tais argumentos fossem tornados públicos. Sobretudo quando podem estar em causa perdas de receita fiscal de dimensão significativa (como é o caso), penso ser dever de qualquer governante num Estado de Direito democrático tornar públicas as principais linhas de defesa a apresentar nas instâncias comunitárias. A omissão de tais esclarecimentos pode ter várias leituras, sendo o da ausência de uma sólida defesa jurídica uma das leituras possíveis;• A última perplexidade resulta da observação do clima de quase euforia e de vitória antecipada que parece ter-se instalado no nosso país relativamente a esta questão. Várias explicações são possíveis para este fenómeno. No entanto, algum conhecimento do contencioso comunitário em geral e dos nossos tribunais tributários em especial recomendaria, no mínimo, alguma prudência.2 – Enquanto não for proferida uma decisão do TJCE sobre o nosso "velho" Imposto Automóvel (que me parece indiscutivelmente aplicável ao novo Imposto sobre Veículos – ISV, independentemente do respectivo valor), não creio que seja possível aos compradores de automóveis novos reaver o IVA invocando a não conformidade com o Direito Comunitário. Ora tal decisão do Tribunal de Justiça pode demorar alguns anos a ser proferida. Basta lembrarmo-nos do processo relativo à taxa reduzida de IVA que incidia sobre a portagem da ponte sobre o Tejo (processo C-276/98), cuja petição deu entrada na Secretaria do TJCE no dia 20 de Julho de 1998, vindo o Acórdão a ser proferido quase três anos depois (mais exactamente no dia 8 de Março de 2001).Como é sabido, no caso do nosso Imposto Automóvel, a petição ainda nem sequer deu entrada no TJCE, estando neste momento a decorrer a fase pré-contenciosa.Como é evidente, o cenário seria completamente diverso se o Governo decidisse dar resposta positiva às reclamações graciosas, pedidos de regularização (ao abrigo do artigo 71º do Código do IVA) e aos pedidos de revisão oficiosa que forem eventualmente interpostos junto da Administração Tributária, hipótese que (utilizando uma expressão muito do agrado dos juristas) me parece “meramente académica”.3 – Relativamente aos contribuintes que adquiriram recentemente automóveis, até haver uma decisão do TJCE, de pouco ou nada adianta recorrerem às reclamações graciosas e às impugnações, as quais terão sempre uma baixa “relação custo/benefício” e só servirão para “entupir”, ainda mais, os tribunais tributários, os quais já estão imersos numa hiperlitigância por que a nossa Administração Tributária é a grande responsável.A meu ver, os pedidos de revisão oficiosa (assentes no “erro dos serviços” ao liquidar o IVA sobre um valor sobre o qual já tinha incidido IA) ou pedidos de restituição (no caso do adquirente ser um sujeito passivo de IVA), só podem eventualmente ter alguma utilidade para os casos dos adquirentes que suportaram o imposto há quase 4 anos (ou seja quando se esteja a esgotar o prazo de caducidade) e apenas como forma de conseguir o recurso à via judicial por via do indeferimento tácito de tal pedido de revisão.Caso o TJCE confirme a tese da CE, então (e só então) os tribunais tributários nacionais estarão obrigados a interpretar e a aplicar a lei interna de acordo com a leitura “autêntica” que vier a ser feita pelo TJ.Mesmo nesse caso, podemos vir a assistir uma longa batalha judicial, dado que a Fazenda Pública pode vir a alegar que a parte legítima não é o adquirente do automóvel (sobretudo não sendo sujeito passivo de IVA), mas antes o distribuidor e/ou concessionário que procedeu à liquidação do IVA e do IA. Também neste aspecto a questão pode vir a demonstrar-se interessante de seguir, dado que os nossos tribunais vão ter que se pronunciar sobre a questão de saber se consumidores finais têm ou não o direito de reclamar do IVA.
MANUEL ANSELMO TORRES
Galhardo Vilão, Torres, Sociedade de Advogados
RI1 - É ilegal. Não por se tratar de uma dupla tributação, que nunca é ilegal em si, mas porque a lei exclui da base de incidência do IVA o imposto de registo automóvel (IA ou ISV) pago pelo vendedor em nome do comprador. Aliás, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias já determinou que nada impede que, ao contrário, o imposto de registo automóvel incida sobre o próprio IVA.2 - Os consumidores têm, a meu ver, legitimidade para requerer à administração tributária a revisão do acto de liquidação do IVA sobre a transmissão de automóveis novos, na parte em que tenha incidido sobre o IA ou sobre o ISV, há menos de quatro anos. Entendo, porém, que os consumidores que adquiram automóveis em locação financeira ou operacional não terão essa possibilidade.Em qualquer caso, espera-os uma longa batalha jurídica e administrativa, e dificilmente o imposto reembolsado compensará os custos incorridos.3 - Guardar a factura.

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