03 setembro 2008

Quem é que se preocupa com as funcionárias dos supermercados que ao ficarem doentes são despedidas?

O que é que acontece a uma mulher que exerce as suas funções como caixa num supermercado do sector privado quando descobre que é uma doente bipolar?
Imagina que uma funcionária que trabalha na caixa de um hipermercado começa a sentir, por momentos alternados, euforia e depressão.
Esta pessoa, tal como outros humanos que têm o azar de contrair esta doença, durante um atendimento a um cliente que acaba de roubar um produto e que ao ser descoberto recusa determinantemente que o fez, ou que a seduz maliciosamente ou ainda que lhe é extremamente malcriado sem qualquer motivo quando está a descarregar as compras no tapete rolante da caixa, começa a sentir ódio por todos os clientes e supervisores de caixa e o ambiente de trabalho que se vive nas caixas do supermercado começa a ser-lhe insuportável, pelo que se sente que está a prejudicar o seu trabalho e a pôr em causa um dos princípios basilares do atendimento ao cliente – o da imparcialidade.
Esta mulher que está por detrás da farda imposta pela cadeia de supermercados começa a sentir que já não é capaz de estar numa caixa a atender clientes e toma a decisão de não querer voltar mais a atender clientes, afirmando perante os seus familiares e amigos que não vai mais ser caixa.
Ela decide ir ao médico e este passa-lhe uma baixa de 1 ano.
Se, estivéssemos no país da Alice, suponhamos até que o supermercado era condescendente e compreensivo perante a doença da sua funcionária e admitia aceitar o atestado médico da baixa de 1 ano, sem despedir a funcionária, nem a substituir por uma outra no seu posto de trabalho, ou seja, estaria, pelo menos, uma caixa vazia durante um ano naquele supermercado sem que fosse ocupada por outra funcionária ou fosse colocado qualquer anúncio de emprego com vista à sua substituição temporária.
Mas, pelo sim, pelo não, o supermercado denuncia esta situação à Inspecção-Geral do Trabalho e à Segurança Social, os quais numa inspecção conjunta feita à baixa apresentada pela funcionária consideram que, apesar, das capacidades da mesma estarem parcialmente reduzidas, ela não está definitivamente incapaz para a profissão de caixa.
A partir daqui começam a surgir várias questões de reflexão profunda sobre os desequilíbrios e a condição laboral da funcionária face a outras empregadas de outras áreas do sector privado e do sector público, como por exemplo:
- Quando a funcionária volta da sua baixa, o supermercado não dá oportunidades para a funcionária se reintegrar nas suas funções de caixa e despede-a, porque ela própria admite que não quer atender mais nenhum cliente na sua vida, sem direito a ir para o fundo de desemprego (justa causa)?
- O supermercado dá-se ao trabalho de propor à funcionária a possibilidade de ser reintegrada num regime especial de trabalho e adapta as suas funções a outro posto de trabalho, investindo na funcionária vários meses de formação ou reciclagem de conhecimentos?
- O supermercado tem condições legais para apresentar à Segurança Social que aquela funcionária deve ser reformada, uma vez que já não conseguirá nunca mais exercer as suas funções como caixa, sendo que este é o único posto de trabalho disponível para aquela funcionária de acordo com o seu perfil profissional e académico?
- O sindicato onde a funcionária está filiada vai-se importar em defender nas instâncias judiciais o direito da funcionária em permanecer no local de trabalho e ser remunerada apenas pela sua presença no mesmo, ainda que a funcionária não faça nada?
- Como é que esta funcionária se safa e resolve a sua situação? Mete mais umas (40) baixas até atingir a idade da reforma?
- Quem é que num país se preocupa verdadeiramente com estes problemas e tem competências ao nível de autoridade para decidir e impor uma decisão a todas as partes, sem ser o Tribunal de Trabalho?
- Será que a funcionária por ter ficado doente para sempre a partir de um dado momento não é motivo suficiente para uma Junta Médica reconhecer que aquela pessoa deve ficar aposentada?
- O país preocupa-se se aquela funcionária é imprescindível para o seu futuro?
- Será que quando um supermercado descobre que uma sua funcionária tem uma doença incompatível com a sua actividade económica pode simplesmente despedir ou dispensar a sua colaboração, sem lhe dar qualquer compensação, e tratar este caso como se fosse uma devolução de uma mercadoria defeituosa ao fornecedor (Sociedade)?
- E será que a mesma solução criativa pode ser aplicável ao sector público?



Inspiração numa história de ficção:
Caixa Geral de Aposentações - Junta médica recusa reforma a juíza bipolar.
A Caixa Geral de Aposentações negou o pedido de reforma a uma magistrada que sofre da doença bipolar, condição que alterna períodos de euforia e depressão.
A junta médica que analisou o caso reconheceu a incapacidade mas considera-a parcial e não definitiva.
A magistrada afirmou à televisão que não se sente capaz de julgar e não vai voltar a fazê-lo.
A juíza esteve de baixa durante mais de um ano e hoje voltou aos Juízos Criminais da capital, e é com convicção que diz: «Não vou mais julgar».
Há cerca de dois anos, durante um caso de negligência médica, a juíza começou a sentir ódio pelas testemunhas e as audiências eram-lhe intoleráveis.
A magistrada sentiu que estava a prejudicar o seu trabalho e a pôr em causa um dos princípios basilares da magistratura – o da imparcialidade.
Apercebendo-se de que não podia continuar a fazer o trabalho devido à doença bipolar (alterações bruscas de humor entre picos de depressão e euforia), pediu reforma ao Conselho Superior da Magistratura e que aceitou o pedido e que conforme à lei reencaminhou o pedido para a Caixa Geral de Aposentações.
O parecer da junta médica é de que as capacidades da juíza estão parcialmente reduzidas, mas que a magistrada não está definitivamente incapaz para a profissão.

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