19 novembro 2007

Os encontros no ar através de vôos especiais em Skydating são uma alternativa para se conhecerem pessoas que podem ficar connosco ...

… para o resto das nossas vidas!

Uma companhia aérea inventou um novo método para arranjar namorado ou namorada: o skydating. A ideia é conhecer alguém num voo para Viena de Áustria. Tudo esteve propício. O avião subiu e só não aproveitou quem não esteve à altura.

Lá estão eles na fila do check-in, no controlo de raio X, na porta de acesso ao avião. Ninguém imaginaria o que vieram fazer. Noémia, alta, de olhos verdes, altiva e alheada de tudo. Talvez seja uma jovem mulher de negócios em viagem. Ou até uma agente secreta russa, a julgar pelo olhar perscrutador e dissimulado, e pela sua beleza enigmática.

Joaquim, um trintão discreto, de bochechas pendentes, olhos aflitos e caracóis angelicais na cabeça baixa, obsequiosa.

Marta, loira verdadeira e irrequieta, escultural e etérea, na galhofa contida com as duas amigas, Cristina e Almerinda, viúva de olhos doces e nariz empinado, que viria a ser conhecida por Super-tia-bebé.

Jorge, muito alto, formal, típico passageiro da business class. Afável, faz conversa aqui e ali. Vai apanhar o voo nocturno para Viena, mas não para visitar os monumentos: o motivo da viagem é decerto uma importante reunião.

Marília, a loira falsa do grupo das quatro senhoras. São colegas de trabalho, com toda a certeza. Preparam-se para um fim-de-semana em cheio, disso também não há dúvidas. Vão para Viena porque é mais barato do que Punta Cana ou Bali, isso é sabido.

Américo, enorme e tímido, polido e desajeitado, inteligente, sossegado e lunático: um homem bom, que pode explodir a qualquer momento. Está sentado, com um sorriso. O voo da Sky Europe para Viena sai à uma e meia da manhã. Mas, para este grupo, não é um voo normal.

Christel, da organização do Sky Date, explica as regras: durante o voo, que durará três horas e meia, as mulheres permanecerão sentadas, mas os homens mudarão de lugar a cada cinco minutos. O objectivo é que cada um dos 21 participantes do sexo masculino converse um pouco com cada um dos 18 participantes do sexo feminino e, à chegada a Viena, já todos se conheçam. Depois, cada um colocará uma cruz à frente dos nomes dos participantes do sexo oposto com quem gostou de falar e gostaria de se reencontrar, para que as organizadoras façam o match. O programa, que decorre de sexta a domingo, inclui visitas guiadas à cidade, um jantar e saída à noite, tempos livres e dormida em hotel de quatro estrelas. A viagem e dormida, com pequeno almoço, custam 160 euros. É o primeiro Skydate para portugueses. Antes, a Sky Europe organizara dois eventos semelhantes com belgas, viajando de Bruxelas para Viena. É a sua forma de promover os voos Lisboa-Viena desta companhia aérea low cost, em época de crise da indústria. Depois da sessão de speed dating a bordo, estão previstas passagens de modelos, karaoke, prova de vinhos, speed dating entre várias nacionalidades e para gays, em pleno voo. Tudo isso acontecerá nos próximos meses, se a experiência deste fim-de-semana for um êxito. Os cerca de 40 participantes estão conscientes disso. São pioneiros deste novo conceito de marketing e vão fazer tudo para alcançar os objectivos: para a companhia, o sucesso comercial; para eles, o amor.

Lá estão eles, a 30 mil pés de altitude, cada um com o seu número à lapela, numa chapa enorme, como as dos prisioneiros. Ou como as dos participantes num concurso de dança. Uns desatam a falar, mal se sentam. Outros ficam calados todo o tempo. Outros riem muito alto, para o companheiro da frente, mas para a parceira do lado, nem olham. Outros ainda, adormecem.

À chegada à capital da música, às sete da manhã, a vontade de encontrar a alma gémea desceu abaixo de zero. A temperatura também. Mesmo assim, é preciso fazer a visita guiada pelos monumentos, a pé. O percurso é penoso, como o do amor. Mas ninguém desiste, excepto Marília e as amigas. São enfermeiras, de Leiria. "Não viemos para arranjar namorado, mas pela viagem, que é mais barata do que o voo normal", dizem. Todas divorciadas, na casa dos 40, com filhos. "O meu casamento era perfeito", distingue-se Marília das outras. O marido saiu de casa há um ano, sem que nada o permitisse imaginar. Ou com que tudo levasse Marília, 42 anos, a imaginar que a felicidade é eterna. Quinze dias depois, ele tinha outra. "Mas vai acabar por ver o erro que cometeu. Ele vai ver."

Ao meio-dia é o check-in nos dois hotéis e as coisas começam a acontecer. Ou não. Uns vão dormir, outros passear. Ao fim da tarde são uma grande família. São um grupo de amigos. Ou vários grupos. Há quem diga que são grupinhos. Há quem se torne líder. Quem faça papel de bobo. Quem se divirta à grande, quem se dê com toda a gente, quem faça o seu jogo. Há quem fique de fora, e ninguém repare.

À noite, só alguns comparecem ao jantar combinado. Outros assistem a um concerto, outros ficam no quarto. Mais tarde, muitos juntam-se na discoteca Gnadenlos. Música para saltitar, bebida de borla. Sábado à noite. É o ponto alto da demanda. Tudo eufórico, mas de romance, nada. Noémia rodopia, Marta está de braços no ar. Jorge abana a cabeça, de copo na mão, Américo esconde-se num canto, Joaquim no canto oposto.

"Eu não gosto de sair à noite", diz Noémia. "Na noite, não se conhece ninguém". Pelo menos da forma que ela quer conhecer. Aos 34 anos, é gestora operacional numa grande empresa. Trabalha das oito às oito, tem casa, carro, um bom salário e poucos amigos. Os da faculdade casaram e não gostam de ver no seu círculo uma mulher atraente e livre. Com os colegas de trabalho não é prudente avançar para relacionamentos mais íntimos. "Posso ser julgada. Há muito oportunismo." Noémia vive sozinha há sete anos e odeia. Janta e passa os fins-de-semana em casa dos pais. Quer ter filhos. Não acredita em amor à primeira vista. Tem tudo na vida, menos magia.

A noite avança e a esperança recua. Joaquim é muito sociável. Diz ele. Continua no seu canto, de casaco vestido. Trabalha nos CTT, tem 42 anos. "Gosto do respeito, acima de tudo. Não sou aventureiro." O problema, hoje em dia, "é que as pessoas não têm confiança". Isso explica que não consiga arranjar namorada. "As pessoas estão de pé atrás. E há uns que têm o blablablá..." Já foi casado, teve uma filha, que morreu aos 19 meses. Inscreveu-se no skydate na esperança de encontrar o amor em Viena, a cidade que sempre quis conhecer. "Mas é preciso haver "mímica"", explica. Pouca sorte: entre a loucura dançante da multidão no Gnadenlos, Joaquim está imóvel a suar dentro do casacão. A "mímica" não aconteceu.

A rapidez dos belgas

Os belgas, os belgas, lembra a organizadora, Mirka. "Formaram-se, pelo menos, três casais." Os pragmáticos belgas não perderam tempo. Se o objectivo era acasalar, acasalaram. Os portugueses dançaram, cantaram. Sonharam, talvez. Inventaram desculpas. "No avião, o prazo dos cinco minutos foi ultrapassado", garante Joaquim. Já aí, tudo começou mal. "Depois formaram-se grupos e foi o salve-se quem puder".

(À chegada ao aeroporto de Lisboa, Joaquim teria a família toda à espera. Saíram de carro, Joaquim ao volante com o sorriso malandro de quem quer poupar pais e tios às peripécias mais picantes da viagem. Nem é preciso. Vê-se que confiam nele para garantir a descendência do clã).

"Para sair de Viena apaixonada precisava de mais tempo", diz Marta, 35 anos. Tinha um namorado. E férias marcadas com ele, para o México, a começarem precisamente neste fim-de-semana. Mas romperam. Inscrever-se no skydate foi uma fuga para a frente. "Procuro um homem que conduza a sua vida com o coração, como eu faço", diz Marta. "Não houve tempo." Mas houve um momento. "Viena é uma cidade mágica."

Confiaram muito nisso. A magia da cidade e a magia de voar. Não é a mesma coisa conhecer alguém no Bairro Alto ou num voo para Viena... Mas as "regras mudaram a meio do jogo", o problema foi esse, explica Américo, 37 anos. Além de professor, é jogador de xadrez. Dos melhores. "Há as peças, o tabuleiro e as regras não se alteram até ao fim." No xadrez, Américo ganha. "São muito parecidos, o amor e o xadrez, Se as regras não mudassem..." Mas mudam, ao minuto. Américo acha que o sistema de falar cinco minutos com cada mulher deveria ter continuado após a chegada, já que não conseguiu falar com todas. Ele que fala com frases completas, gramaticalmente perfeitas. Na sua profissão, de presidente do Conselho Executivo da escola, isso não é defeito. Tece em torno da sua autoridade uma rede de protecção, que depois lhe dificulta os movimentos, na relação íntima. Foi casado. Depois do divórcio, teve um relacionamento de 6 anos que acabou mal, há um ano: ela trocou-o por uma mulher.

Para Américo, talvez por "culpa da organização", talvez por "falta de auto-estima", o skydate "foi um fracasso". Para Jorge, "foi um êxito", ainda que tenha sido um fracasso. Não arranjou namorada, mas divertiu-se. Director de uma delegação bancária, nasceu há 42 anos e foi casado 15. Tem duas filhas, vários amigos, todos casados, e várias amigas, algumas "coloridas". O skydate "foi um impulso. Li o anúncio e increvi-me imediatamente". Cinco anos após a separação, descobriu que está disponível para um relacionamento sério, e essa descoberta, sem pressas mas com agrado, mudou-lhe já, de alguma maneira, o estado civil. "Há uma pessoa, das que conheci aqui, que, sim, têm hipóteses". E não diz mais. Mas é Marta. Todos o sabem.

Marília e as amigas também tinham hipóteses para dar, que não foram aproveitadas. "Há aí alguns que, se tivessem insistido um bocadinho mais..." Lucília, uma das enfermeiras, não consegue disfarçar a decepção. Mas, então, porque não tomou ela a iniciativa? "Eu? Era o que faltava! Eu não preciso disso! Tenho agora de andar atrás de alguém!"

O olhos de Marília vão amolecendo para o fim do dia. "Havia tipos interessantes", admite. Mas não se concentrou em nenhum e agora é tarde.

Marta não admite ter valorizado alguém. Apenas um momento. Acordou, de manhã, no hotel, e viu que estava a nevar. Correu na abrir a janela e... precisamente no mesmo momento, Jorge, hospedado no quarto ao lado, abriu também a sua janela. Encontraram-se ali, em êxtase estremunhado, no meio da neve. Que coincidência. "Que momento mágico". Marta nunca mais esquecerá o que viu da sua janela.

O jornalista viajou a convite da Sky Europe

Fonte:

http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?url=%2Fmain2%2Easp%3Fdt%3D20071119%26page%3D6%26c%3DC

19.11.2007


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