02 outubro 2008

O problema ético-empresarial é apenas este: Os patrões têm o direito ou não de despedirem as suas funcionárias quando sabem que estas têm sida?

Há cerca de um ano, um Tribunal Inferior (TI) considerou legítimo o despedimento de uma cozinheira infectada com HIV, a Senhora Dona Anónima, e o Tribunal Superior (TS) confirmou hoje tal decisão.

Os juízes avançaram com uma explicação absolutamente absurda de que aceitaram como um facto provado o que constava da decisão do TI e da sentença do Tribunal Laboral (TL) de que a trabalhadora poderia transmitir o vírus HIV na eventualidade de existir derrame de sangue, saliva, suor ou lágrimas sobre alimentos servidos em cru consumidos por quem tivesse na boca uma ferida mucosa de qualquer espécie.

E eu pergunto: Será que isto pode ser aceite como facto para justificar tal despedimento lícito?

Para mim é mais uma daquelas histórias em que impera a lei do mais forte: A lei do patrão!

E quem acreditar na lei universal deste mundo, que para muitos se resume à Bíblia Sagrada, verá que esta história tem um final infeliz e não merecedor da glória eterna e imortal para aqueles que são os verdadeiros vilões da mesma.


A trabalhadora, Senhora Dona Anónima, de profissão cozinheira do quadro fixo de um hotel pertencente a um Grupo empresarial estrangeiro durante sete (7) anos (e não 7 dias ou mesmo 7 meses), em 2002 adoeceu com tuberculose e esteve um ano de baixa, findo o qual, quando regressou ao trabalho, foi mandada ao médico do trabalho do hotel. Não revelou ter HIV porque tal facto era irrelevante para o seu desempenho e o médico do trabalho pediu ao seu médico assistente mais dados sobre a sua situação clínica.

O TI constatou que o médico da Senhora Dona Anónima respondeu ao médico do hotel que esta tinha sofrido de tuberculose, da qual estava completamente curada, e ainda que tinha HIV, referindo que a cozinheira podia retomar a sua actividade laboral em pleno e que não representava qualquer perigo para os seus colegas e/ou para as restantes pessoas, inclusive os clientes.

O hotel alegou que não tinha sido informado da doença, pelo que a cozinheira foi impedida de voltar a fazer o seu trabalho, obviamente na cozinha, e esteve sem fazer nada durante meses!

Em 2004, o médico do hotel considerou a cozinheira inapta definitivamente para a profissão de cozinheira, porque não podia manipular alimentos, e rapidamente o hotel (como se este não tivesse sido aquela entidade que obrigou o médico do hotel a dizer tal disparate) fez caducar o contrato por impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta da Senhora Dona Anónima prestar o seu trabalho.

O advogado da cozinheira defendeu no recurso judicial para o TS que não houve conhecimento até hoje de qualquer caso de transmissão do vírus VIH através de colegas de trabalho de cozinha ou através de alimentos, e até salientou que o acórdão se baseava em bases cientificamente incorrectas, sem qualquer apoio nos conhecimentos médicos existentes.

O hotel, entretanto, não conseguiu provar a sua indisponibilidade para recolocar a Senhora Dona Anónima noutro tipo de funções. É que não bastava ao hotel dizer simplesmente que não tinha outro posto, mas provar essa afirmação sustentada em factos concretos, como por exemplo, a apresentação da dimensão do quadro de pessoal, o conjunto das categorias profissionais que o integram, o seu preenchimento integral e / ou o mapa do pessoal.

Nesta história que acabei de te contar seria bastante interessante saber a identificação do médico do hotel, ou seja, o carrasco telecomandado pelo próprio hotel que insistiu avançar com uma justificação médica que nada dignifica a carreira médica em qualquer parte deste mundo ao dizer que uma pessoa que tem sida não pode ser cozinheira porque no exercício dessa função num hotel pode contagiar outras pessoas, designadamente os clientes destinatários da sua comida, com sida.

Para que é que se exige uma média tão elevadíssima (por exemplo, igual ou superior de 18,6 valores) para ingressar no Curso de Medicina, quando depois o médico que sai licenciado da Universidade não tem qualquer escrúpulos com a dignidade humana e resolve sucumbir à doce e irresistível tentação de trabalhar para um hotel só para ganhar dinheiro?

Não é a crise financeira mundial que me preocupa, mas sim os seus responsáveis criminosos que roubam e escapam ilesos de quem eu me devo preocupar neste mundo para que os meus filhos não os tenham que os defrontar amanhã quando forem grandes e perder tempo com gente que nem mereceria viver um só segundo, simplesmente porque quero ver os meus filhos a aproveitarem o tempo a construírem um mundo melhor …

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