23 abril 2007

Já não sei quem é o autor, nem se o país a quem imputam os factos existe ….

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A alternativa a esta afirmação seria assumir o inacreditável: o país não evoluiu desde Eça de Queirós, assunção perfeitamente inconcebível de todos os pontos de vista, politicamente incorrecta, socialmente injusta, economicamente desfasada.

É portanto um ponto assente que foi Eça quem teve uma extraordinária visão do país e escreveu não só no seu como no nosso presente.

A carta que dirigiu ao Dr. Pinto Coelho, na altura presidente da Companhia das Águas de Lisboa, a propósito das constantes faltas de água na “minha cozinha e no meu quarto de banho” parece ter sido escrita hoje: “Em virtude de um escrito, devidamente firmado por V. Exa. e por mim, temos nós – uma para com o outro – certo número de direitos e encargos. (...) Eu obriguei-me para com V. Exa. a pagar a despesa de uma encanação, o aluguer do contador e o preço da água que consumisse. V. Exa. por sua parte, obrigou-se para comigo a fornecer-me a água do meu consumo (...). Se eu não pagar, V. Exa. (...) corta-me a canalização. Quando V. Exa. não fornecer o que hei-de eu fazer, Exmo. Senhor? (...) não peço indemnizações (...) apenas esta pequena desafronta bem simples e bem razoável, perante o direito e a justiça: quero cortar uma coisa a V. Exa.!”.

O escrito de Eça aplica-se na generalidade às empresas fornecedoras de serviços neste país onde o incumprimento do cliente é punido, o do fornecedor passa impune.

Mas um sector destaca-se nesta constelação de obrigações e impunidades: as seguradoras.

O Governo e a Banca decretaram a obrigatoriedade do seguro. Um crédito à habitação tem de estar coberto por um seguro, um crédito pessoal exige outro seguro, o automóvel obriga-se a um seguro, e por aí fora. O seguro tornou-se uma instituição indispensável à vida e aos encargos das famílias. A sua existência, como escreveu Eça ao Dr. Pinto Coelho, pressupõe obrigações mútuas.

O cidadão recorre ao seguro com o intuito de se proteger do imprevisto. E para ter essa protecção paga, e pontualmente, às seguradoras. A inversa porém é menos verdadeira. A reputação de que gozam as seguradoras portuguesas não é de todo invejável ao contrário do que sucede noutros países ou até com seguradoras estrangeiras que operam em Portugal. Um exemplo pessoal, se me é permitido, há pouco mais de 10 anos tive um acidente de viação ao tentar-me desviar de um cão que não devia estar numa auto-estrada. Era noite, chovia, perdi o controlo do carro e fui para uma dessas valas separadoras das auto-estradas portuguesas. O carro, novo, ficou totalmente destruído. Uma semana depois a seguradora – inglesa – estava a indemnizar-me por perda total da viatura. Anos depois um acidente graças a uma caixa de águas pluviais que os serviços camarários colocaram a entrar pela estrada. A câmara assumiu logo a responsabilidade; o meu carro foi reparado pela minha seguradora tendo eu pago a franquia – que me seria devolvida mais de um ano depois, o tempo que as seguradoras, minha e da câmara, levaram a discutir o assunto. A título de curiosidade vale a pena citar que a seguradora da câmara chegou a propor repartição de responsabilidades “porque a referida caixa se encontra no local há anos sem que tenha havido acidentes”, tratou-se de duas companhias portuguesas.

Um seguro contra sismos pretende ser isso mesmo. Uma garantia que se um edifício sofrer danos em virtude de actividade sísmica o seu proprietário seja indemnizado e o edifício reparado. Mas não é bem assim. Se num edifício uma parede abrir uma brecha na sequência de um sismo vai lá um perito que conclui que o dano não foi consequência de um sismo, mas da actividade sísmica do local onde o imóvel está implantado. Ora o prémio do seguro anti-sísmico varia em função da sismologia local onde está implantado. Seria pois lógico assumir que se um dano se deve a um conjunto de sismos ou microssismos, o seguro anti-sísmico cobriria esses danos. Não. Não é assim. Aparentemente alguma parede ou outra parte da estrutura tem de cair na sequência de um determinado sismo para ter cobertura. Nada disto é todavia explicado nas letrinhas pequenas. Mais uma vez uma companhia portuguesa. Em Londres um jornalista teve uma infiltração no telhado e comunicou à sua seguradora que constatou a existência de fissuras no prédio, um dos antigos e característicos prédios londrinos. Em menos de um mês o telhado estava reparado. Uma pequena diferença.

Mas, se pensarmos que ao fazer um seguro que inclua muros e aluimentos de terras estamos protegidos, enganamo-nos. Os peritos encontram sempre uma forma de contornar as causas naturais, como grandes chuvadas, que façam cair um muro ou desloquem as terras e quebrem uma conduta de esgoto ou as estruturas de água ou telefone. Por vezes argumentando que terá de se abrir uma vala na zona onde corre a estrutura danificada pela deslocação de terras para apurar as causas, só que o segurado é quem terá de pagar os trabalhos de abertura da vala e depois a reposição do piso. Dissuasor!

O caso mais paradigmático e espantoso ocorreu com a Império. Um cidadão português que se encontrava no estrangeiro recebeu ao fim do dia a notícia do inesperado falecimento da mãe. Havendo um avião às dez da noite o cidadão apressou-se em conseguir um lugar para regressar. O seu seguro de viagem garantia o regresso antecipado em caso de morte de familiar directo. Ao pedir o reembolso a seguradora pensou mais de quatro meses para responder verbalmente, nunca o escreveu, que o contrato continha uma claúsula afirmando que “a companhia tem de ser antecipadamente avisada”. Coisa difícil esta de avisar antecipadamente a seguradora que vai morrer um familiar. Contudo a mesma cláusula diz “excepto em caso de força maior”, o que naturalmente – se aceitarmos o absurdo da primeira parte da cláusula – cobriria um caso como este em que um dos últimos pensamentos é a companhia de seguros. Mas mesmo a invocação de “força maior” prevista no contrato da própria companhia é considerada como válida nesta situação.

A maior parte dos casos descritos e que têm apenas por finalidade mostrar o comportamento das seguradoras poderiam ser objecto de recurso a Tribunal e provavelmente ganhos. As seguradoras que mantêm advogados avençados não teriam qualquer problema em recorrer. O processo arrastar-se-ia anos e quem iria gastar mais do que receber seria o segurado, ou seja, a entidade que paga à companhia de seguros para gozar de alguma protecção.

O Instituto de Seguros de Portugal é uma entidade que supostamente deveria dirimir estas questões. Já alguém experimentou apresentar por e-mail uma queixa ao ISP? Não recebe resposta.

O Governo que decretou obrigações aos consumidores e permitiu a imposição de sanções em caso de incumprimento ou atraso de pagamento foi infeliz, leonino nas disposições pois nada (se não a Lei com todos os seus Códigos e o recurso a Tribunal) pune a seguradora. O seguro é obrigatório em imensos casos mas os segurados pouco beneficiam do que pagam pela suposta protecção que contratam.

Resta fazer como Eça e esperar que os responsáveis digam o que podem os seus parceiros comerciais cortar-lhes quando as empresas não cumprem ou se esquivam ao cumprimento dos contratos.>>

por autor desconhecido.

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