Afinal na Índia dos milhões de deuses nem tudo é sagrado, a começar pelas
patentes. Que o diga a alemã Bayer, que viu agora um dos seus medicamentos ser
autorizado como genérico, em nome do direito à saúde. É que um tratamento com
Nexavar custa 4000 euros por mês, enquanto com a alternativa produzida pelos
indianos da Natco fica por 125. Continua caro para um pobre, mas já não é uma
fortuna.
Para se perceber o que está em causa, a Forbes fez contas. Assim, se o custo
anual de um tratamento com o Nexavar, eficaz contra os cancros do rim e do
fígado, equivale a 41 vezes o rendimento médio de um indiano, seria o mesmo que
cobrar 1,6 milhões de dólares a um americano. Aplicado aos portugueses,
significaria pagar mais de meio milhão de euros por ano para não morrer de
cancro. Alguém tem dúvidas que o Governo indiano tinha que agir?
Agora olhe-se para o ponto de vista da farmacêutica alemã, que investe
milhões em investigações que, pelo padrão do sector, só darão resultados em 10%
das situações. Precisa de ver premiado o esforço dos cientistas e faz--se pagar
bem no caso dos medicamentos bem sucedidos. E espera que as leis internacionais
a protejam das cópias a baixo custo.
Fundada no século XIX como fábrica de corantes, a Bayer evoluiu para um
gigante da química e entre os medicamentos que ofereceu à humanidade está a
Aspirina. Em troca tem ganho muito dinheiro. Só no ano passado, os lucros da
empresa de Leverkusen ultrapassaram os 2,4 mil milhões de euros. E isto apesar
da polémica em França com a pílula de quarta geração.
Guerras em tribunal é algo a que as farmacêuticas estão habituadas. Que o
diga a suíça Novartis, também com medicamentos questionados pela Índia, ou a
britânica Glaxo, forçada nos Estados Unidos ao pagamento de 2,3 mil milhões de
euros por marketing abusivo. Mas o negócio dos medicamentos vale 500 mil milhões
de euros e é rentável como poucos.
Com os lucros, vem a má fama para a indústria farmacêutica, que filmes como O
Fiel Jardineiro reforçam. E é nos países emergentes que o conflito entre negócio
e interesse público mais se sente, como provam o caso dos antirretrovirais, para
os doentes com sida, ou agora o Nexavar. Tendo em conta que 85% das vendas de
medicamentos são ainda no mundo rico, não será dramático para a Bayer, a Glaxo
ou a Novartis (e já agora a americana Pfizer, número um mundial) aperfeiçoarem a
política de preços discriminatórios destinada aos pobres do planeta.
No caso da Índia, há mais uma razão para se chegar a acordo: a Economist
prevê que com tanta gente e tantas doenças o mercado dos medicamentos salte de
nove mil milhões de euros para 57 mil milhões em uma década. E, apesar da
concorrência das firmas locais, nenhuma multinacional vai querer ficar de fora.
Essa, sim, seria uma dor de cabeça forte até para os inventores da Aspirina.
Fonte:
Artigo "Meio milhão de euros/ano para não morrer de
cancro" de LEONÍDIO PAULO FERREIRA, publicado no Diário de Notícias online:
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3099889&seccao=Leon%EDdio Paulo Ferreira&tag=Opini%E3o - Em Foco&page=-1
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