12 janeiro 2011

A pobreza envergenhada deveria ser considerada crime público imputável a qualquer político que governasse um país.

A referência no diário de um Professor em Portugal sobre a fome nas escolas só me fez sentir imenso nojo e descrença em todos aqueles que andam na política para resolverem os seus problemas pessoais, preocupados apenas com os seus próprios umbigos.



Ontem, uma mãe lavada em lágrimas veio ter comigo à porta da escola. Que
não tinha um tostão em casa, ela e o marido estão desempregados e, até ao
fim do mês, tem 2 litros de leite e meia dúzia de batatas para dar aos
dois filhos.
Acontece que o mais velho é meu aluno. Anda no 7.º ano, tem 12 anos mas,
pela estrutura física, dir-se-ia que não tem mais de 10. Como é óbvio,
fiquei chocado. Ainda lhe disse que não sou o Director de Turma do miúdo e
que não podia fazer nada, a não ser alertar quem de direito, mas ela
também não queria nada a não ser desabafar.

De vez em quando, dão-lhe dois ou três pães na padaria lá da beira, que
ela distribui conforme pode para que os miúdos não vão de estômago vazio
para a escola. Quando está completamente desesperada, como nos últimos
dias, ganha coragem e recorre à instituição daqui da vila - oferecem
refeições quentes aos mais necessitados. De resto, não conta a ninguém a
situação em que vive, nem mesmo aos vizinhos, porque tem vergonha. Se
existe pobreza envergonhada, aqui está ela em toda a sua plenitude.

Sabe que pode contar com a escola. Os miúdos têm ambos Escalão A, porque o
desemprego já se prolonga há mais de um ano (quem quer duas pessoas com 45
anos de idade e habilitações ao nível da 4ª classe?). Dão-lhes o
pequeno-almoço na escola e dão-lhes o almoço e o lanche.

O pior é à noite e sobretudo ao fim-de-semana. Quantas vezes aquelas duas
crianças foram para a cama com meio copo de leite no estômago, misturado
com o sal das suas lágrimas...

Sem saber o que dizer, segureia-a pela mão e meti-lhe 10 euros no bolso.
Começou por recusar, mas aceitou emocionada. Despediu-se a chorar, dizendo
que tinha vindo ter comigo apenas por causa da mensagem que eu enviara na
caderneta.

Onde eu dizia, de forma dura, que «o seu educando não está minimamente
concentrado nas aulas e, não raras vezes, deita a cabeça no tampo da mesma
como se estivesse a dormir»

Aí, já não respondi. Senti-me culpado. Muito culpado por nunca ter
reparado nesta situação dramática. Mas com 8 turmas e quase 200 alunos,
como podia ter reparado?

É este o Portugal de sucesso dos nossos governantes. É este o Portugal dos nossos filhos.


in
O Diário do Professor Arnaldo - A fome nas escolas.
Publicado em 19 de Novembro de 2010 por Arnaldo Antunes

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